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29 de abr. de 2014

O Protocolo Umbandista: como o excesso de reverências tem tornado os zeladores de santo "celebridades"

a fogueira das vaidade
O excesso de reverência está atiçando a fogueira das vaidades na Umbanda?

Uma cadeira. Foi o que bastou para que eu refletisse sobre essa realidade desconfortável: os pais e mães de santo estão se tornando celebridades. Não todos, claro, mas é fato que estamos migrando para isso.

Na última sexta-feira eu fui visitar um terreiro em São Bernardo do Campo-SP, juntamente de minha filha de santo e cunhada. Casa simples, pequena, arrumadinha, com um único atabaque e umas poucas pessoas para assistir. Do jeito que gosto, costumo me sentir em casa nesses ambientes (sempre digo aqui que a Umbanda que mais gosto é aquela de terreiros pequenos). Fui apresentado à mãe de santo da casa pela minha cunhada, "Este aqui é meu cunhado e meu pai de santo, Cláudio", que me cumprimentou com um sorriso e depois conversamos um pouco sobre religião e a moça se foi para a cozinha, afim de checar o andamento da feijoada de Ogum. Minutos depois alguém adentra o salão com uma cadeira envolta num pano branco adornado com uma fita vermelha. Dei de ombros.

Uns vinte minutos depois a gira começou.

Sob o toque do atabaque foram entoados cânticos para todos os orixás, de Oxalá à Exú, defumaram a casa e bateram cabeça aos pés do congá. Foi quando a mãe de santo começou a cantar as boas vindas ao visitante e me chamou para bater cabeça também, o que fiz de prontidão, contudo logo em seguida ela apontou a cadeira ao lado do altar e me disse para ficar lá sentado. O lugar reservado aos pais de santo, sacerdotes de umbanda, Candomblé e afins, onde os filhos devem se ajoelhar e beijar as mãos daqueles que estiverem ali sentados no trono da altivez. 

Eu me senti extremamente desconfortável com aquilo. Tenho certeza absoluta de que a mãe da casa (pessoa que passei a adorar por sua simpatia e vivacidade) não tinha a mínima intenção de me constranger, muito pelo contrário, se esforçou de todas as maneiras para me fazer as honras e seguir o protocolo aplicado às ilustres visitas de chefes de terreiro. Só que, para mim, o problema não está na intenção de fazer a pessoa se sentir bem vinda, está justamente neste protocolo, ou melhor, no fato de uma gentileza ter se tornado regra.

Se um pai ou mãe de santo vai em alguma casa é óbvio que devemos receber a ele e toda a sua família espiritual com toda cordialidade. Vale aqui a mesma regra das visitas sociais de amigos e parentes em nossa casa, recebemos com sorrisos, oferecemos café e comidinhas, convidamos à sala de estar e ali convivemos alegre e harmoniosamente durante a estadia daquelas pessoas. Cordialidade é a palavra de ordem, não reverência e protocolos dignos de recepções à chefes de Estado no Vaticano.

Só que o que tenho visto por aí são zeladores de santo que já chegam nas casas com olhar altivo, esperando que a gira seja interrompida e que eles sejam anunciados, aplaudidos de pé, que todos se ajoelhem aos seus pés, que os tambores ruflem em sua homenagem. Querem ficar ali, em destaque, sentados na cadeira recoberta de cetim branco. É um protocolo que deve ser seguido sem variações, caso contrário o sacerdote se sentirá no direito de ficar ofendido com a falta de respeito da casa e de seus filhos. Já vi o cúmulo de um pai de santo se ofender por estar numa casa que, além de não o convidarem para entrar mesmo sabendo que na assistência havia um zelador espiritual, chamou Ogum para abrir os trabalhos. "Onde já se viu chamar o orixá que quebra demandas para abrir uma gira na presença de um pai de santo visitante, isso é uma ofensa!", me disse o sujeito.

Em minha opinião, zeladores não passam de seres humanos como outros quaisquer. A única diferença é que ele foi incumbido de uma responsabilidade maior, a de tocar um rebanho, o que não o torna mais venerável que qualquer outro servo da caridade e da Luz. Quando vou em um terreiro, meu negócio é estar ali ao lado do atabaque cantando e dançando, esta é a minha forma de reverenciar a gira e seus presentes. E é por isso que quando recebo alguma visita em meu terreiro, sempre recepciono os convidados da seguinte maneira: "Sejam todos muito bem vindos à nossa casa, estamos muito felizes com a sua presença e aqui nós não temos cerimônia. Da mesma forma que não nos importamos com plumas e rapapés quando visitamos alguém, não as oferecemos quando somos visitados. Se sentir no coração, entre e fique a vontade. A casa é tão sua quanto nossa".

Um dos poucos defeitos que vejo na Umbanda, infelizmente, é esse fator que facilita a vaidade, principalmente de seus dirigentes. O cargo, as roupas, jóias e reverências tendem a levar o indivíduo a se envaidecer, a se achar maior do que os demais, do que realmente é.

O bom é receber as pessoas alegremente e fazê-las se sentir a vontade em nossa casa, reverências infinitas nós devemos aos Orixás e não aos mortais. Respeito nós devemos a cada ser vivo no universo.

2 comentários:

  1. Adoro lê seus textos. Poderia sugerir mais textos sobre "Ja vi acontecer". Gosto da historia das pessoas dentro da umbanda, como chegaram, o que ja aconteceu neste período.

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  2. Meus sinceros agradecimentos pelo texto. Me identifiquei muito com as suas palavras. Infelizmente tenho visto que a vaidade vem, a cada dia, tomando os espaços em nossa linda religião que antes eram devotados a humildade. Infelizmente a vaidade está tornando as giras palcos onde dirigentes e médiuns despreparados querem a todo custo evidenciar suas imagens. Adoraria encontrar um terreiro simples assim, onde o que mais importa não são cargos, não são adornos, mas sim o consulente, o trabalho espiritual, enfim a resignação ao plano superior. Que Oxalá nos abençoe!

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